Há uma imensidão de coisas que me fazem confusão quando viajo de autocarro e por isso decidi dedicar-me a escrever sobre as minhas aventuras neste transporte público. São tantas, porém, que vou dividi-las em capítulos. Este é o primeiro:
Capítulo I
É rara a viagem em que não encontro alguém que não larga o pobre do motorista, entretendo-se em longas conversas que muitas vezes duram todo o percurso da linha em questão. O perfil destas pessoas é fácil de construir, apesar de comportar indivíduos de várias idades encantados com a possibilidade de manter uma longa conversa com o sujeito, ou sujeita, que tem como função a condução do enorme “bicho”. Já vi senhores nos seus 60, 70 anos – que quando não têm hipótese de dar à língua com o infeliz do motorista nos obrigam a ceder-lhes o lugar por não aguentarem a viagem em pé... – e senhoras que, por norma, são um pouco mais novas, oscilando entre os 50 e os 60 anos de idade.
Mas também não são raras as vezes em que são crianças quem acompanha atentamente todos os movimentos do senhor que vai a conduzir o autocarro. Destes eu percebo o motivo das conversas: a natural curiosidade de uma criança que se encanta com aquele ofício e que questiona todos os procedimentos que o homenzinho de camisa azul se vê obrigado a tomar para levar o “bicho” a “bom porto”. Porém, gostava de perceber qual o assunto das conversas dos senhores e senhoras mais velhos, que mal se aguentam em pé mas que insistem em colocar-se à entrada do autocarro, barrando a entrada dos restantes passageiros mais preocupados em chegar ao seu destino a tempo e horas. Será o tempo? O futebol? A novela da noite? As mudanças no trânsito de uma rua? Será tudo isto? E depois... Será que essas pessoas conhecem o motorista ou será que metem conversa apenas por este ser “o” motorista? Com certeza que será pela segunda razão porque ando há bastante tempo de autocarro e nunca consegui viajar duas vezes seguidas com o mesmo condutor.
Mas a culpa também é deles. Quase de certeza que dão trela a essas pessoas, pois por muito persistentes que sejam, nunca repetiriam a faceta se percebessem que o alvo da sua atenção não lha retribuía devidamente. E quem sofre somos nós, normais frequentadores destes serviços públicos, sossegados num cantinho, abstraídos nos nossos pensamentos e pouco preocupados com a fronha do motorista. É que os enganos sucedem-se quando as “melgas” atacam. É o pobre do estudante que faz paragem com o braço bem estendido e visível mas que não vê correspondido o seu pedido, distraído que está o motorista com a interessante conversa; é a mãe de família que leva os filhos à escola para depois ir trabalhar, que carrega no “Stop” mas não vê o autocarro parar já que os ouvidos do condutor não podem ouvir as melgas e a campainha ao mesmo tempo; e são todos os outros “otários” que prestam atenção atenção ao percurso a seguir e que lá avisam o motorista que devia ter virado à esquerda em vez de seguir em frente.
É um inferno que enfrento quase todas as vezes que utilizo o serviço público de transportes. Mas é só um dos infernos. Há mais, muitos mais...
(Continua...)
sábado, outubro 09, 2004
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